Lembranças de Benjamin Gilbert

Ben Gilbert ou Ben para os colegas ou “Benny” como Marilisa, sua esposa o chamava
carinhosamente.
Lembrarei do Ben Gilbert pelo seu aspecto espartano, mente brilhante e sorriso afetuoso e sempre
disponível para ajudar os demais.
Lembrarei do Ben Gilbert pela sua hospitalidade e disponibilidade para tornar o meu encontro com o
Brasil mais leve e fácil do que realmente era. Recém-chegado ao Rio em janeiro de 1973, fiquei
hospedado na casa da Marilisa (Alentejano) e do “Benny” na Ilha do Governador por mais de uma
semana quando conheci os dois meninos ainda pequenos do casal. Marilisa, baixinha e afetuosa
guardava sua inseparável cartela de cigarros numa bolsa que era parte dela. Pelo que lembro ter
escutado do Walter Mors (de quem recebi o convite para vir ao Brasil) a Marilisa “fisgou” o jovem
inglês logo depois da sua chegada ao Rio. Ouvi dizer também que a outra beleza natural que ancorou
o Ben no Rio foi o Morro Dois Irmãos e a imponência de sua natureza quando visto da Lagoa Rodrigo
de Freitas.
Lembrarei dos Gilberts por outras razões também. Eles tinham dois carros: uma “Belina” azul e uma
Rural (Jeep) Willys. Também azul. Dois carros icônicos da época (1973). Gilbert cuidava da sua Rural
como sua ferramenta essencial para suas expedições botânicas. Lembro ele me explicar que a
corrosão salina do Rio era algo terrível. Semanalmente ele fazia lavar a Rural e borrifar com “óleo de
mamona” que segundo ele era a melhor proteção e lubrificante que havia encontrado no Brasil. Com
o Gilbert na direção o carro parecia seguir uma orientação precisa e firme. Aquele carro era uma
fortaleza. Imune ao trânsito daquela época. Na Belina fomos no meu primeiro fim de semana no Rio
a Arraial do Cabo para encontrar uma bióloga marinha que presumivelmente tinha um apartamento
para alugar na Ilha do Governador o que facilitaria as coisas para mim para quando o CPPN se
trasladasse para a Ilha do Fundão. Não deu certo. Mas junto com os Gilbert disfrutamos daquelas
águas transparentes e límpidas do Arraial do Cabo. Me encantei com as salinas e os aspectos quase
virgens daquela natureza extraordinária. Mais uma lembrança. A Marilisa tinha um irmão pediatra.
O Dr. Alentejano foi o pediatra das minhas duas filhas.
Lembrarei do Ben com um sentimento de gratidão infinito como um dos meus mentores na minha
alma mater brasileira que foi o CPPN. No meu primeiro dia de CPPN, ele veio com uma folha
manuscrita em tinta azul com letra pequena e meticulosa e três parágrafos com as sugestões que ele
tinha para mim para me iniciar na química de produtos naturais considerando a minha formação e
certas necessidades ainda não atendidas na pós-graduação no Brasil. Essencialmente, ele iluminou
meu caminho indicando como tema da minha responsabilidade a “Síntese e transformações
químicas de produtos naturais abundantes. Ativos ou não ativos biologicamente”. Não entrarei em
detalhes. Apenas lembrarei, como através de mim, Ben Gilbert iluminou também a formação de
todos meus estudantes de pós-graduação com os quais fui sendo introduzido ao fascínio dos
produtos naturais de plantas brasileiras.
Por razões que nunca cheguei a entender, a Universidade Federal do Rio de Janeiro não ofereceu um
contrato de trabalho ao Dr. Gilbert. Ele teve de buscar fora da universidade alternativas para sua
sobrevivência financeira. A UFRJ teve um mestre brilhante e vocacionado sem nunca ter sido, de
direito, professor. Ele foi e será sempre lembrado como um professor de fato.
Lembrarei do Ben Gilbert por muitas outras razões. Uma delas é um certo destino comum que
tivemos como químicos. Na década de ’80, ainda professor na UFRJ, eu tinha me tornado consultor
da Microbiológica para um projeto de nacionalização de insumos farmacêuticos financiado pela
então Central de Medicamentos, CEME. A CEME tinha financiado também a instalação da
CODETEC em Campinas com a finalidade de desenvolver, para as indústrias do programa, as
tecnologias de síntese dos insumos farmacêuticos de interesse do MS em escala industrial. Ben
Gilbert havia sido contratado como Diretor Científico da CODETEC. Foi autor intelectual de muitas
das tecnologias ali desenvolvidas e entusiasta de nossos esforços na Microbiológica.
A partir daquela época nossos caminhos foram divergentes e não tive o privilégio do seu convívio em
anos recentes. Entretanto, guardo em mim a memoria viva da sabedoria e integridade de um homem
incomum.
Jaime A. Rabi (ex-diretor do IPPN)
10 De fevereiro de 2024.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *